domingo, 20 de setembro de 2009

Língua, Pátria, Identidade


No meu primeiro post, afirmei que portugueses e brasileiros, embora falemos o mesmo idioma, não falamos a mesma língua. (E não houve, nem há, nessa afirmativa nenhuma animosidade ou xenofobia. Em Portugal estão pessoas que amo, e Portugal é minha segunda Pátria!). Aí o leitor pode questionar: língua e idioma são a mesma coisa… Tivesse eu escrito que falamos a mesma língua, mas não falamos o mesmo idioma estaria mais correto? Não vou adentrar em complexas questões da Linguística (não é minha especialidade, o que aprendi há 30 anos na Faculdade de Letras há muito já se perdeu nas teias da memória). Isso é lá com os estudiosos.

Símbolo inquestionável e indelével do antigo esplendor e domínio de Portugal, da Europa à América, da África à Ásia, a língua portuguesa é a quinta língua mais falada no mundo, e a terceira mais falada no mundo ocidental, por cerca de 260 milhões de pessoas! Das Descobertas até o terceiro milênio, evoluiu, naturalmente. Mas não tem unidade (haja vista a dificuldade de os portugueses aceitarem e implantarem o novo acordo ortográfico), é a única língua moderna que tem duas grafias reconhecidas internacionalmente: a europeia e a brasileira…

Pergunto-me se essa falta de unidade leva também a uma falta de unanimidade.

Sem saber a resposta,fui procurar uma luz. Três estrelas maiores iluminaram minha ignorância da Língua de Camões, última flor do Lácio; minha, nossa língua; minha, nossa pátria; minha, nossa identidade. Vou partilhá-las, quem sabe cheguemos, juntos, a um consenso.






Última flor do Lácio


( Olavo Bilac - 1865 -1918)


“Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura;
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...

-
Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!
-
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
-
Em que da voz materna ouvi: "Meu filho!"
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!”







A Minha Pátria é a Língua Portuguesa

(Fernando Pessoa – 1888 – 1935)


“Não chóro por nada que a vida traga ou leve. Há porém paginas de prosa me teem feito chorar. Lembro-me, como do que estou vendo, da noute em que, ainda creança, li pela primeira vez numa selecta, o passo celebre de Vieira sobre o Rei Salomão, "Fabricou Salomão um palacio..." E fui lendo, até ao fim, tremulo, confuso; depois rompi em lagrimas felizes, como nenhuma felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar. Aquelle movimento hieratico da nossa clara lingua majestosa, aquelle exprimir das idéas nas palavras inevitaveis, correr de agua porque ha declive, aquelle assombro vocalico em que os sons são cores ideaes - tudo isso me toldou de instincto como uma grande emoção politica. E, disse, chorei; hoje, relembrando, ainda chóro. Não é - não - a saudade da infancia, de que não tenho saudades: é a saudade da emoção d'aquelle momento, a magua de não poder já ler pela primeira vez aquella grande certeza symphonica.
Não tenho sentimento nenhum politico ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriotico. Minha patria é a lingua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incommodassem pessoalmente, Mas odeio, com odio verdadeiro, com o unico odio que sinto, não quem escreve mal portuguez, não quem não sabe syntaxe, não quem escreve em orthographia simplificada, mas a pagina mal escripta, como pessoa própria, a syntaxe errada, como gente em que se bata, a orthographia sem ípsilon, como escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse.
Sim, porque a orthographia também é gente. A palavra é completa vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-m'a do seu vero manto régio, pelo qual é senhora e rainha.”



Língua
(Caetano Veloso - 1942)

Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar a criar confusões de prosódia
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior?
E deixe os Portugais morrerem à míngua
“Minha pátria é minha língua”
Fala Mangueira! Fala!
Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua? Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas
E o falso inglês relax dos surfistas
Sejamos imperialistas!
Cadê? Sejamos imperialistas!
Vamos na velô da dicção choo-choo de Carmem Miranda
E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate
E – xeque-mate – explique-nos Luanda
Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo
Sejamos o lobo do lobo do homem
Lobo do lobo do lobo do homem
Adoro nomesNomes em ã
De coisas como rã e ímã
Ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã
Nomes de nomes
Como Scarlet Moon de Chevalier, Glauco Mattoso e Arrigo Barnabée Maria da Fé
Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?
Se você tem uma idéia incrível é melhor fazer uma canção
Está provado que só é possível filosofar em alemão
Blitz quer dizer corisco
Hollywood quer dizer Azevedo
E o Recôncavo, e o Recôncavo, e o Recôncavo meu medo
A língua é minha pátria
E eu não tenho pátria, tenho mátria
E quero frátria
Poesia concreta, prosa caótica
Ótica futura
Samba-rap, chic-left com banana
(– Será que ele está no Pão de Açúcar?
– Tá craude brô
– Você e tu
– Lhe amo
– Qué queu te faço, nego?
– Bote ligeiro!
– Ma’de brinquinho, Ricardo!? Teu tio vai ficar desesperado!
– Ó Tavinho, põe camisola pra dentro, assim mais pareces um espantalho!
– I like to spend some time in Mozambique– Arigatô, arigatô!)
Nós canto-falamos como quem inveja negros
Que sofrem horrores no Gueto do Harlem
Livros, discos, vídeos à mancheia
E deixa que digam, que pensem, que falem.


3 comentários:

  1. Deixem que digam,que pensem, que falem.A Lígua é minha pátria...quero FÁTRIA ! "Tavinho de Camisola? M'a de brinquinho Ricardo?".Poesia concreta,poesia caótica...Directa, selecta, instincto(o que eles acham culto, chamamos arcáico, rs. "Nada me pesaria se invadissem e tomassem Portugal (desde que não incomodassem minha filha e o filho dela)-Eles não tomaram o Brasil e foi aquela desgraçeira?

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  2. Para ser justa:ouvi, e uma plateia enorme de alunos lusos e de outras plagas, idem, da voz do maior constitucionalista português, quiçá um dos maiores do mundo ocidental contemporâneo(lá tem gente muito boa, sim senhora, admitamos)o ilustríssimo Dr. Jorge Miranda, na presença de outro ilustríssimo daqui deste lado do Atlântico, Dr. Celso Antônio Bandeira de Mello (quando este se desculpou por talvez não se fazer entender durante sua palestra, por falar "brasileiro") que o português do Brasil, talvez pelo nosso desligamento de Portugal, é que conservou a beleza do português clássico e culto. E não foi rasgação de seda, ele já o dissera algumas vezes em sala de aula, para meu velado orgulho e espanto de um e outro colega(rs).

    Quanto ao colonialismo e suas nefastas consequências: ou aprendem a produzir, ou vão se perder na sua recoletoriedade antropofágica...
    " o lobo do lobo do homem

    Lobo do lobo do lobo do homem"...

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  3. Relendo minha resposta ao comentário, meu Deus, fui profética, e nada a ver com a língua: lá vai Portugal se perdendo na sua recoletoriedade antropofágica... Caos.

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