terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Rapidamente. Ano novo, propósitos nem tanto

Enfim, ano novo. Estou em falta, é assim mesmo que fico às vezes, sem inspiração para escrever. Bem, pelo menos poupei-vos, meus caríssimos! Poupei-vos de meu "non sense", das minhas angústias e tristezas, aquelas coisinhas que se abatem sobre muitos de nós nos fins de ano, aqueles sempre renovados - e nunca cumpridos, pelo menos por mim - projetos de "ano novo, vida nova".

Sobrevivi, e ano recém-chegado, troco de idade. "Nasci em Minas Gerais. Minas não tem mar." Mas tem céu, e tem chuva! E foi numa noite chuvosa de janeiro, 12, que escolhi vir ao mundo, há 54 anos. Acho que é por isso que adoro os dias nublados, ventosos, os trovões e relâmpagos, a chuva forte, a tempestade. Também a chuva que cai fininha, miúda.

Capricorniana com todas as qualidades e defeitos. Teimosa. sobrevivente. Cansada. Antes fosse uma fênix, renasceria mais forte e bela das minhas próprias cinzas. Mas estou apenas enfrentando o inexorável envelhecimento. Um baú cheio de recordações. Não quero recordações. Quero minha Pasárgada de volta. Não me importam as tempestades. Levem -me os ventos. Seja para onde for.


"Vento, ventania
Me leve prá onde
Nasce a chuva
Prá lá de onde
O vento faz a curva...
Me deixe cavalgar
Nos seus desatinos
Nas revoadas
Redemoinhos..."




domingo, 20 de dezembro de 2009

Meu Conto de Natal

Queridos e pacientes amigos leitores! Vocês já devem ter recebido tantos bons votos e felicitações, ouvido tantas histórias e reminiscências natalinas, que talvez já estejam um pouco cansados da repetição. Paciência! É o "espírito natalino". E toma mais uma dose...


Andei remexendo no chip da minha memória, e, francamente, não encontro nenhuma história daquelas de fazer rir, ou chorar. Os Natais da minha infância não foram bons nem ruins, nem felizes, nem infelizes. Tal e qual a minha infância, normais. Os presentes, eram simples, e sem grandes comemorações.  Mas de um presente não me esqueço. Nunca me liguei muito em bonecas, mas como eu queria ganhar um trem de cozinha, daqueles que vinham com um suporte em alumínio triangular, panelinhas de todos os tipos e tamanhos, colheres... Meu sonho de consumo, ah, como eu queria brincar com os utensílios da minha prima mais velha, a Sandra, mas ela não deixava. Era o que eu queria, e pronto, e não me lembro de alguma vez ter pedido ao Papai Noel, talvez meu pai tenha visto meu interesse mal disfarçado na loja de brinquedos da cidade, ou minha mãe percebido meu desejo quando em casa de meu tio e padrinho, não sei dizer.


E o meu desejo realizou-se mesmo quando eu descobri que não havia nenhum Papai Noel. Ninguém me disse. Simplesmente ao me deitar, numa véspera de Natal, vi dois embrulhos de presente em cima do guarda-roupa do quarto.  

No dia seguinte, um dos embrulhos estava aos pés da minha cama, e o outro aos pés da cama do meu irmão. Se eram os mesmos embrulhos que estavam em cima do guarda-roupa, então não fora o Papai Noel que os deixara. 

Em meio à minha decepcionante descoberta, ao desembrulhar o pacote,  lá estava ele, o trenzinho de cozinha, lindo e brilhante, com todas as panelinhas e colheres! 

Criança solitária, esse presente fez o meu deleite. Eu passava horas e horas a “cozinhar”, observando a empregada ou a minha mãe, ou uma tia, olhando em silêncio a confecção da comida simples do dia a dia. E, observando, fui aprendendo, um longo, solitário e feliz aprendizado, que só pude colocar em prática quando tive a minha própria casa, porque minha mãe nunca me deixou cozinhar na casa dela, para não fazer bagunça! (Cá prá nós, ela tinha razão!).

E, num daqueles Natais da minha infância, eu me deslumbrei com uma ave enorme, cheirosa, numa ceia na casa do tio Edinho. Ah, a tia Jupira tem umas mãos de fada, para tudo, trabalhos manuais, cozinha, e como cozinhava bem! Um dia, eu vou fazer um peru assim, pensei.

Cresci, e quando tive minha própria casa, coloquei em prática meu aprendizado silencioso. Pronto. Depois do primeiro Natal aventurando-me na cozinha, fui eleita por unamidade a “perueira” dos Natais. Mudei de país, e, numa dessas voltas inesperadas que a vida dá, retornei ao Brasil, e minha receita sempre comigo, com novos temperos acrescentados a cada ano, sempre um sucesso, sem modéstia. 

E esse "conto" é o meu presente para vocês,  juntamente com a minha receita de Peru de Natal. Vamos lá? (Vou tentar dosar os ingredientes, porque cozinho no olhômetro, o que eu chamo “cozinhar com amor”).



Minha Receita de Peru de Natal
(passo a passo)

Ingredientes
1 peru com miúdos
1 limão
2 copos (tipo americano) de vinho branco seco de boa qualidade
Alho socado a gosto
Ervas finas secas a gosto
1 colher das de chá de noz moscada em pó
Pasta de pimentão vermelho sem sal ou páprica em pó a gosto
Pimenta do reino a gosto
Azeite
2 raminhos de alecrim
2 ou 3 laranjas
½ quilo de manteiga
150 gramas de noz (pesada sem casca), se preferir, pode substituir por castanha do Pará, avelã ou outra
150 gramas de passas brancas
150 gramas de passas pretas
2 cebolas grandes
1 quilo de farinha fina de mandioca (torrada)
150 gramas de Batata palha
Sal q.b.
Linha e agulha para cozinha

Modo de Fazer
1 - Se o peru for congelado, deixe descongelar na parte de baixo da geladeira. 24 horas antes de assar, retire os miúdos de dentro da ave, esfregue-a com limão, e fure espaçadamente com um garfo fino. Faça uma mistura com o vinho, o alho, ½ copo de azeite, as ervas, noz moscada, pasta de pimentão, pimenta do reino, sal (se o peru não for pré-temperado), e esfregue o peru por dentro e por fora, junte os miúdos, coloque um ramo de alecrim de cada lado, sele a vasilha com plástico e deixe na geladeira. Depois de 12 horas, vire, para que o tempero entranhe bem.


2 - Cerca de 2 horas antes de levar ao forno, prepare a farofa do recheio
2.1 - Leve ao fogo uma panela com azeite, refogue ligeiramente uma cebola batidinha, coloque os miúdos e deixe cozinhar bem. Quando estiverem cozidos, desfie a carne do pescoço, e corte-a em pedaços menores, corte os outros miúdos, e reserve.
2.2 - Corte a outra cebola em cubinhos, e refogue em três colheres das de sopa de manteiga, sem deixar dourar, junte os miúdos, misture bem. Junte aos poucos metade da farinha de mandioca, mexendo bem. Junte metade das nozes cortadas em pedaços pequenos, e metade das passas. Corrija o sal, e coloque um pouco de pimenta do reino. Reserve.


3 - 3.1 - Pegue a manteiga que restou, e esfregue generosamente por dentro e por fora da ave, colocando pedaços debaixo da pele das coxas, e dentro da pele que cobre o peito (pela abertura do pescoço), com cuidado para não romper.
3.2 - Retire o peru do tempero, recheie com parte da farofa primeiramente o a parte do pescoço (papo), de modo a que sobre pele para cobrir. Vire a pele que restou e costure.
3.3 - Pela abertura dos miúdos, coloque mais da farofa, apertando bem (não gasta a farofa toda). Costure a abertura. Junte as pernas e amarre bem. Amarre também as asas em volta da ave, sem apertar muito.


4 - Forre um tabuleiro grande com papel alumínio, e espalhe um pouco de azeite. Coloque a ave com o peito virado para baixo, e cubra-a com o molho do tempero, e o suco das laranjas coado. Cubra bem com papel alumínio, leve ao forno pré aquecido (250 graus) por cerca de 2 horas. Após esse prazo, retire-a do forno, e vire a parte do peito para cima, banhe bem com o molho, cubra de novo com papel alumínio, baixe o forno para 200 graus. O prazo de cozimento é de cerca de 1 hora para cada quilo. Passado esse tempo (já contadas as 2 hrs. Iniciais) retire o papel alumínio e deixe dourar, não se esquecendo de banhar com o molho.

5 - Na sobra da farofa, misture o restante da farinha, das passas e das nozes, corrija o tempero de sal e pimenta. Deixe torrar uns minutos, mexendo sempre. Na hora de servir, junte a batata palha.


6 - Retire o peru do forno, enfeite a seu gosto com frutas da estação, ou compotas de frutas (pêssegos, figos, etc).
Sirva acompanhado de arroz branco, da farofa, e salada verde com tomate seco e mussarela fresca ou ricota, em cubos.



Sugestões para quem gosta de molho, a ser servido em molheira à parte: coe e retire o máximo da gordura do molho que ficou na assadeira.





1ª. Corte cebola em rodelas finas, refogue ligeiramente, coloque o molho e deixe aquecer, sem ferver.


2.ª Após coar o molho, dissolva maisena suficiente para um molho não muito espesso, leve ao fogo para engrossar, junte 1 pacote de creme de leite UHT, cogumelos e salsinha bem picada.

Seja na sua ceia ou no seu almoço de Natal, o sucesso está garantido!

Um Santo e Feliz Natal a todos!



Minha Oração de Natal


Menino Jesus, naquela manhã de Natal, de alguma forma, mostraste-me  que havia Alguém Maior a olhar por mim!
Ah, Deus Menino antes de saber quem éreis, já estáveis comigo! Antes de conhecer-Vos, agraciaste-me, meu sonho fora realizado, podia fazer as minhas comidas de mentirinha!
Sagrado Infante, abençoai e mostrai seu amor a todas as crianças, homens e mulheres! Que não lhes falte pão do corpo e o pão do espírito! Dai pão a quem tem fome, e fome de justiça a quem tem pão. 
Amém.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Belém

Eu queria escrever sobre o Natal. Mas estou travada, as palavras não fluem. A TV ligada no Mais Você, mostrando os concorrentes de um “reality show” me levou a outra Belém. Belém de Lisboa, Portugal.

Quando se fala em Belém, Lisboa, é recorrente para a maioria das pessoas que por lá andaram os famosos pasteis de nata, iguaria conventual portuguesa, cuja melhor espécie, sem nenhuma sombra de dúvida, é feita nessa freguesia.

Ah, os passeios a Belém, as idas à pastelaria para comer os pasteis recém saídos do forno, com muita canela, acompanhados de chá preto ou chocolate quente, nos fins de tarde do inverno. Minha filha  que o diga, (ah, como ela A-D-O-R-A os pasteis de Belém!); "gosto mais das queijadinhas de Sintra" dizia a minha enteada a se empaturrar junto à irmã; o olharzinho da D. M.,, sempre muito contida com a comida (só vou comer um, e lá ia um atrás do outro, e manda chocolate quente). As mesas lotadas, os atendentes num corre corre, muito limpos e educados. E o cheiro, ah esse cheiro inesquecível, a canela, a manteiga, açúcar, que faz vir água na boca. Pecado capital sair de lá, com a barriga cheia, e não levar para casa pelo menos uns dois pacotinhos para o pequeno almoço do dia seguinte!
Gula, mea culpa!





Mosteiro dos Jerónimos - Belém - Lisboa


Mas não pensem que só de pasteis se faz Belém!

"Ir aos pasteis de Belém" e não ir aos Jerónimos não tem graça. O Mosteiro, construção manuelina, magnífico, imponente, o claustro, os túmulos reais, o pátio, a construção toda, esplendorosa, marco de um Portugal de conquistas e glórias passadas. Mas para mim, ver os túmulos de Camões, de Vasco da Gama, Alexandre Herculano, Fernando Pessoa é que leva minha mente a “mares nunca dantes navegados”. Sem palavras! Nem os intrincados dos fios dos bondes elétricos lotados de turistas tiram o brilho dessa grandeza.





Museu dos Coches - Belém - Lisboa


O Centro Cultural de Belém, seus jardins, o Museu da Marinha, o Jardim de Ultramar, o fantástico Museu dos Coches, tudo a poucos metros de caminhada, transportam o visitante, em um único dia, a séculos de história, lugares e maravilhas.




Cais de Belém
O Cais de Belém é lindo! Eu, das montanhas, do cerrado, morro de medo do mar, e como tudo o que nos causa esse medo, atrai-me imensamente. Os iatezinhos atracados, dão um colorido e uma espécie de "não movimento", com aquelas nuances que os pintores teimam querer captar nas suas aquarelas.
Subindo as escadas da Torre de Belém
E a Torre? Nunca perdi o deslumbramento perante a magnitude dela, nem um medo visceral de escorregar escada abaixo cada vez que ia subir ao pátio superior pelos degraus seculares, gastos sob os pés dos turistas. Não subo nunca mais, esta é a última vez. Qual o quê... Sempre subia, com um frio enorme na espinha, ir à Torre e não subir até acima?


Tejo ao sol visto da Torre de Belém

Lá do alto, ver o Tejo em sua vasta extensão, fundindo-se ao horizonte. Mar Tejo.
O jardim, o Padrão dos Descobrimentos...
Queria ter o dom da ubiquidade.
Ah, eu acho que é essa chuva que cai hoje, chuva de Dezembro, que me traz essa nostalgia!
Xô, banzo!





segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Histórias Curtas II - Lições (1)






Precisava ir aos Olivais. A noite, o frio, a chuva e o vento desconvidavam, mas tinha que ser. Bem agasalhada, toca a esperar o comboio.

Uma senhora, bem idosa, também aguarda na estação gelada. Sentada a meu lado no banco, olha-me de lado, desconfiada. Aceno a cabeça num cumprimento, e sorrio. Olha-me com os olhos opacos da velhice, cabelos brancos, um tanto gorducha, toda encolhida nos seus inúmeros agasalhos. Não retribui o cumprimento.

A espera, já normal para mim, a deixa impaciente, notava-se bem.

Vencida pela demora, ela pergunta-me: "vócê sabe a que horas passa o comboio de Alcântara Terra?" - articula a boca desdentada. Sim, minha senhora, já está a vir, veja, lá vem. Mostro as luzes da composição fazendo a curva a uns cem metros de distância.

"Parece impossível, esses brasileiros já estão até aqui? Por isso é que meu filho está em França, vócês vêm aqui p'rá ficar com nosso trabalho, fazer aumentar a renda das casas, e as mulheres vêm tomar os maridos das outras, todas *!"~#~*#~#*...". O olhar ausente transmuta-se em ódio. Lépida, levanta-se, com o chapéu-de-chuva na mão, e numa agilidade inimaginada para a idade e o peso, salta para dentro do comboio...
*
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terça-feira, 10 de novembro de 2009

"No dia de São Martinho, lume, castanhas e vinho!"

Uma pausa no tempo, quando o Inverno ameaça adentrar e engolir o Outono, tardes agradáveis, cheias de sol, o frio a espreitar de longe. "Verão" de São Martinho, três ou quatro dias em que quase se pode esquecer que o inverno bate à porta no hemisfério norte. O ápice se dá no dia 11 de Novembro.

Para ser fiel à lenda (ou será tradição?), o acolhimento dado a mim por meus novos (e verdadeiros) amigos em Portugal deu-se no dia de São Martinho. Foram os primeiros a acolher-me em sua casa. Escolheram a tradicional comemoração, para mim até então desconhecida. Parte da tradição portuguesa, mesa farta, vinho, castanhas assadas bem quentinhas, vinho novo, aguapé (uma espécie de mosto que se tira do vinho novo, fraquinho, de cor rosada), delicioso chouriço assado no braseiro, pão, queijo, batata doce e marmelo assados, o delicioso caldo verde. Meus São Martinhos pessoais, saudades de vocês, muita mesmo, não daquela saudade triste, não, saudade boa, com que nos lembramos daquelas pessoas que nos fazem bem!


Ah, e tem as comemorações ribatejanas. Não sei como comemoram pelos portugais afora, mas no Ribatejo, a população reúne-se nas praças dos lugarejos, no dia 11, ao cair da tarde, e lá vem o desfile dos Zé Pereiras, bonecos enormes, equilibrados nos ombros mais fortes, bandinha a tocar, molecada atrás (criança é igual em todo lugar, basta-lhes um pouco de liberdade). O Presidente da Câmara, os coros locais, as figuras conhecidas em lugares estratégicos, a servir o tradicional magusto: aguapé, a assar o courato (pele de porco fresca), a cozinhar as bifanas para rechear as fatias grossas do delicioso pão, os velhotes das castanhas. Música, cantoria e danças, artesanato nas banquinhas improvisadas, uma simpatia alegre [será o aguapé? :-)].

Bons momentos eu vivi no São Martinho, daqueles que alimentam o corpo e o espírito, aquecem o coração e alegram a alma…




São MartinhoApelidado de apóstolo da Gália: primeiro Santo cristão não mártire, sua generosidade e humildade, aliadas a uma enorme fama de milagreiro fizeram dele um dos santos mais queridos da população europeia.

Diz a lenda que Martinho, nascido na Hungria em 316, era soldado. Aos 15 anos de idade, vai para Pavia (Itália). Em França abraçou a vida sacerdotal, sendo famoso como pregador. Foi bispo de Tous.

Certo dia de Novembro, muito frio e chuvoso, estando em França ao serviço do Imperador, ia Martinho no seu cavalo a caminho da cidade de Amiens quando, de repente, começou uma terrível tempestade. A certa altura surgiu à beira da estrada um pobre homem a pedir esmola.

Como nada tivesse, Martinho, sem hesitar, pegou na espada e cortou a sua capa de soldado ao meio, dando uma das metades ao pobre para que este se protegesse do frio. Nessa altura a chuva parou e o Sol começou a brilhar, ficando, inexplicavelmente, um tempo quase de Verão

Mas em França há quem associe a expressão "Verão de S. Martinho" ao fato milagroso de terem florido as plantas, reverdecido as árvores e os pássaros terem começado a cantar, à passagem do corpo do Santo, levado de barco de Candes, onde tinha morrido, para Tours onde foi enterrado.



Provérbios de S. Martinho:
• A cada bacorinho vem o seu S. Martinho.
• A cada porco vem o seu S. Martinho.• As geadas de S. Martinho levam a carne e o vinho.• Dia de S. Martinho vai à loja e prova o vinho.• Dia de S. Martinho, lume, castanhas e vinho.• Dos Santos a S. Martinho são nove dias de pão e vinho.• Em dia de S. Martinho atesta e abatoca o teu vinho.• Em Novembro S. Martinho vai à adega e prova o vinho.
• Em Novembro S. Martinho, lume, castanhas e vinho.• Em Novembro se queres pasmar teu vizinho, lavra, sacha e esterca pelo S. Martinho.
• No dia de S. Martinho assa castanhas e molha-as em vinho.
• No dia de S. Martinho fura-se o pipinho, mas quem for honrado já o deve ter furado.
• No dia de S. Martinho mata o teu porco e bebe o teu vinho.
• No dia de S. Martinho mata teu porco, chega-te ao lume, assa as castanhas e bebe o teu vinho.
• No dia de S. Martinho vai à adega e prova o vinho.
• No dia de S. Martinho, come-se castanhas e bebe-se vinho.
• No dia de S. Martinho, fura o teu pipinho.
• No dia de S. Martinho, lume, castanhas e vinho.
• No dia de S. Martinho, mata o teu porco e bebe o teu vinho.
• No dia de S. Martinho, mata o teu porco, chega-te ao lume, assa castanhas e prova o teu vinho.• No dia de S. Martinho, vai à adega e prova o teu vinho.• Novembro pelo S. Martinho, comem-se as castanhas e prova-se o vinho.
• Novembro pelo S. Martinho, mata teu porco e bebe o teu vinho.• Novembro pelo S. Martinho, nem nado, nem cabecinho.
• Novembro pelo S. Martinho, prova o teu vinho; ao cabo de um ano já te faz dano.• Novembro pelo S. Martinho, semeia o teu cebolinho.
• O Sete-Estrelo pelo S. Martinho, vai de bordo a bordinho; à meia-noite está a pino.• Pelo S. Martinho abatoca o pipinho.
• Pelo S. Martinho bebe o vinho, deixa a água para o moinho.
• Pelo S. Martinho castanhas assadas, pão e vinho.• Pelo S. Martinho deixa a água para o moinho.• Pelo S. Martinho mata o teu porquinho e semeia o teu cebolinho.• Pelo S. Martinho prova o teu vinho; ao cabo de um ano já não te faz dano..
• Pelo S. Martinho todo o mosto é bom vinho.• S. Martinho bebe o vinho, deixa a água para o moinho.
• Se o Inverno não erra o caminho, tê-lo-ei pelo S. Martinho.
• Se queres pasmar o teu vizinho, lavra, sacha e esterca pelo S. Martinho.• Verão de S. Martinho são três dias e mais um bocadinho.• Vindima em Outubro que o S. Martinho to dirá.






(Na foto, eu entre dois bonecos Zé-Pereiras na comemoração do S. Martinho em Vialonga, Ribatejo, 11/11/2008)

domingo, 1 de novembro de 2009

ESSÊNCIA

*
*

*

Do ar,
da terra,
das montanhas,
das matas,
dos rios,
do céu,
construíram minha essência.
Meu espírito é seu espírito.
(Nasci em Minas Gerais, Minas não tem mar.... O mar de Minas é o céu).
Torrão amado,
terra sangrada,
espoliada,
batalhas e lutas.
Perdidas?
Jamais derrotada.
Libertária,
liberta,
renovada.
Berço de liberdade.
(ainda que tardia).
De Tiradentes,
dos amores,
das dores,
de Dirceus e Marílias.
Aleijadinho.
Drummond,
(No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho).
Juscelino,
Josés, Marias.
Das minas,
das cidades,
das montanhas,
e dos campos,
lavradores.
Das serestas sob a lua,
trem de ferro,
(... da Bahia Minas estrada natural.
Que ligava Minas ao porto ao mar.)
Fé,
terço,
procissão.
Cantigas, cantares.
(Como pode o peixe vivo viver fora d'água fria,
como pode o peixe vivo viver fora d'água fria).
Flores na rua.
Roupas no varal.
Cachaça,
diamantes,
água,
(São Francisco, o sertão vai virar mar?)
ouro.
Doce de leite,
goiabada,
queijo fresco,
pão-de-queijo,
cafezinho,
a vizinha passa o bolo pelo muro do quintal.
Da moça na janela.
Moço bonito,
(como poderei viver, como poderei viver,
sem a tua, sem a tua, sem a tua companhia?)
Dos causos contados à beira do fogão.
Saudades,
enterros,
festas.
Do sagrado,
do profano.
De todos seus filhos,
poetas,
mártires,
cantores,
artesãos.
Humanos,
pecadores.
Minas Gerais.
*









*
(* Rubem Alves - O pequeno barco de velas brancas)
(* Carlos Drummond de Andrade - No meio do caminho)
(* Milton Nascimento - Ponta de Areia)
(*Do folclore, coreto mineiro de origem lusa)

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

"Requiem aeternam dona eis, Domine, et lux perpetua luceat eis"




"Dai-lhes, Senhor, o descanso eterno, e fazei brilhar para eles vossa luz perpétua."
(da oração inicial da Missa de Réquiem, pelo rito da Igreja Católica Apostólica Romana, e da Igreja Anglicana)

(Pelo Dia de Finados)





Seu nome, Cristina Batista. Nome e patronímico de grande significado. Eis que Cristina, derivado do grego “Christos”, “ungido”, latinizado Cristo, o Sagrado nome do Redentor; e Batista, do grego “baptistés”, latinizado baptista, aquele que benze, sacraliza um objeto profano.



Mas seu vir ao mundo, a escolha do nome, não foi, e nem a sua vida terrena, um ato de redenção, ou sagrado.

O caso foi-me entregue, penso que como um meio que meu orientador do estágio na defensoria criminal arranjou para se livrar de mim. Ele não foi com a minha cara, muito óbvio, uma quarentona no meio de jovenzinhas e jovenzinhos dispostos a tudo para agradar o mentor, não encontrou em mim essa atitude. Você não tem perfil para estar aqui estagiando, deveria era procurar um estágio no Ministério Público, você age como um Promotor de Justiça, disse-me ele no primeiro dia, na frente de meus jovens colegas. Fiquei. Mas, teimosa e voluntariosa (tinha lá ele razão?), eu me recusava terminantemente a trabalhar nos casos de assaltos e roubos, preferia outros, talvez mais sórdidos, mas que me diziam mais da miséria da alma humana.



Eis que o primeiro caso de Júri para a defensoria aparece. Sem discutir o caso, como sempre fazia com outros, entregou-me o processo, o caso é seu. Um colega que já havia estado lá no ano anterior, ao ver o nome na capa do processo, exclamou: nossa, esse vai ser difícil, é o caso da Negona, você não sabe da história? Não, eu não sabia, ia ler os autos. Acusação de assassinato, caso feio, um corte profundo no pescoço da vítima, com uma garrafa de vidro quebrado causou-lhe a morte. A pronunciada não estava presa preventivamente, a prisão havia sido suspensa, estava a viver na casa da irmã, pelo que li. Outros colegas já haviam por ali passado, saíram-se bem…

Convoquei-a, por escrito, para uma conversa antes da primeira audiência. Uma jovem magra, atlética, apareceu no dia e hora marcados. Brincou com meu orientador, seu velho conhecido, perguntou quem era eu. Apresentei-me, saímos do cubículo abafado do subsolo do Fórum, fomos conversar na área externa, sob o olhar meio espantado do meu orientador, como que a dizer “cuidado”.

Não me assustava. Conte-me o que aconteceu. Não matei, não fui eu, acharam mais fácil me acusar, porque me acusam de tudo o que acontece de ruim nesta cidade, como se aqui não tivesse um montão de bandidos. Mas preciso saber o que aconteceu na noite, conte-me sua versão. E coerentemente, ela me narrou a sua versão dos fatos.

Agora, fale-me um pouco de sua vida, pedi eu.

Saiu de casa aos seis anos de idade, talvez mais nova. Objeto de todo tipo de violência e abuso, preferiu na tenra idade o acolhimento das ruas, e dos sem abrigo. Inteligente, ia à escola, aprendeu a ler, a escrever. Mas nem a inserção várias vezes tentada e sempre frustrada na casa relativamente segura de sua irmã mais velha lhe proporcionava a segurança e a liberdade que conhecia das ruas. O andar à toa, os “amigos”, o álcool, as drogas. E, nesse mundo marginal, o crime. Pequenos furtos, alguns roubos. Uma acusação de homicídio quando era menor de idade, nunca apurada, não sei se verdadeira ou falsa, devidamente arquivada e longe das informações do sistema judicial.

Bem, vamos prosseguir então, não me vá faltar à audiência com o juiz. Não falto, prometo. Promessa, para mim, é dívida, Cristina. Para mim também, se eu prometo, eu cumpro. Afinal, eu sou a Negona, pode perguntar por aí. Não, você não é a Negona, aqui, você é a Cristina. Cristina Batista, esse é o seu nome. Riu-se, está bom, então, combinado.

Como foi a conversa? E você acreditou nela? Você acha que ela é inocente? Você pensa mesmo que ela vai aparecer no dia da audiência? Ela não vem, não se engane. Relatei o mínimo necessário. Acreditar ou não acreditar, culpada ou inocente, não tem a ver com a minha convicção, tem a ver com os fatos, professor, e ela, vem sim, ela me prometeu que vem. Vamos ver. Vamos.

Cumpridos os ritos processuais de praxe, o juiz encarregado: então, doutora (quem eu? ah, como eu detesto esse praxismo!), podemos marcar o júri para a primeira semana do segundo semestre? Como queira, excelência, por mim, tudo bem. Olhei para meu orientador. Sua cabeça, calva, estava mais vermelha que um pimentão maduro. Hum, hoje ele me esgana. Bem, doutora, irônico, na volta ao cubículo, ainda faltam mais de dois meses, dá para se preparar? O que o senhor acha, deve dar, fazemos uma força, não sei (afinal, a responsabilidade sempre seria dele), se o senhor acha que não dá, porque não disse para o juiz? Não, está tudo bem. Eu fico com a parte legal, você faz a pesquisa social, vê aí se pode arranjar alguma testemunha de defesa, porque as da acusação são boas. Na minha opinião, pelo que li, não são assim tão boas, professor, parece não haver nenhuma que tenha realmente presenciado o acontecido. Você não tem experiência, espere para ver. Está bem.



Tudo estudado e planejado, expliquei para as duas assistentes sociais porque queria que elas falassem no júri. Preparei-me. Escrevi o maldito discurso introdutório (outro castigo, aposto, porque ele não pode iniciar a fala da defesa?) eu, que detesto aqueles salamaleques todos, toca a tecer loas ao juiz, ao promotor, ao nobre colega orientador, aos jurados. Epa, não posso esquecer a meia dúzia de gatos pingados que aparecerem (sempre foram umas duas ou três colegas mais chegadas da faculdade). Ah, tenho que falar da minha filha! Ela estará de escrivã,é a estagiária do Juízo escalada para a transcrição do julgamento do dia. Coitada. Vai ver a mãe dar bandeira. Fazer o quê? Filha sofre!

Faltava um mês, início das férias. Meu orientador me chama. Vamos desistir do caso da Negona, vou falar com o juiz para nomear outro, é muito difícil. Fiquei chocada. Faltaram-me as palavras, porque eu queria era chorar de raiva! Não, não era pelo trabalho, pelo estudo do caso, pelo tempo despendido nas minhas horas de folga do trabalho, faculdade e estágio. Era um sentimento de frustração, de abandono, de revolta. Mais uma vez abandonada. Não, professor, o senhor não pode fazer isso, só falta um mês, está na pauta, vai ser adiada, e se ela for presa de novo? Bem, menos uma na rua. Mas é a sua função, professor! Sua obrigação! Não posso fazer o júri sem o senhor e eu não desisto, bati o pé, literalmente! Vermelhou, pensou, coçou a calva… Que mulher chata! Vou pensar, vou falar com o juiz, depois aviso.

Nunca soube se falou ou não, mas, no último dia da primeira semana do júri do mês de Agosto, lá estávamos nós! (Eu de tailleur novinho em folha, azul marinho e branco, sapatos a condizer - comprados a prestação, é claro, meu indispensável baton vermelhoparatodasasocasiões. A Cristina muito limpa, e arranjada nos seus jeans e camiseta, novos, e tênis idem, presente dos amigos). Pânico, medo, pavor! Meu Deus, tenho que falar em público! Onde eu estava com a cabeça. Não vai sair nada quando eu falar da tribuna! Deixa de ser burra, está tudo escrito, é só seguir a linha de raciocínio. Que castigo, bem que o professor tinha razão, não vou aproveitar quase nada do que escrevi, o promotor já desmontou tudo antes de eu começar! Rabisca, rabisca, escreve, escreve, assim não pode mais, tem que improvisar. Seja o que Deus quiser!

E foi. Absolvida. O famoso 4 a 3! Na hora da leitura da decisão dos jurados, pude ler nos olhos, quem havia votado culpada, quem havia votado inocente.

Seu sorriso, de quatro dentes incisivos postiços, os penso outrora bonitos havia perdido numa briga. Eu sabia que ia dar certo! Sabe, agora posso seguir meu sonho, ser jogadora de futebol. Um time lá de Ribeirão Preto quer me contratar. Mesmo? Que bom, então, boa sorte, que Deus acompanhe você.

Você agora é como minha mãe. Eu? Por que isso? Porque você me defendeu. Você pode andar tranquila nas ruas que ninguém vai chegar perto de você. Que é isso, menina? É que já falei pra todos os meus amigos que você é minha protegida, ninguém toca nem você nem sua família! (Santo Deus!). Ah é? Obrigada.



Não foi jogar futebol. Voltou para as ruas. Um dia, telefonou-me, desvairada, devastada pelo crack, pedindo socorro. Precisava de ajuda. Não queria mais ficar nas ruas, queria ir para uma fazenda, tratar-se. Traga-me umas roupas? Quero tomar um banho, leva-me para o abrigo, eu prometo que me comporto, eu fico bem. Certo, vamos.



Telefonei, pedi. Não, é impossível. Incontáveis vezes reincidente, não a aceitavam mais em nenhuma fazenda.

Uma noite, telefonou-me: estou presa, vem me ver. Presa? Sim, eu matei um cara, meu ex-cunhado. Uma facada só, bem no coração. A polícia “me pegou flagrante”. Por que, Cristina? Não sei, brigamos, vem me ver? Pode trazer cigarro? Sabonete, desodorante? E dinheiro? Dinheiro, não.



Porque você não pode me defender desta vez, perguntou-me pelo vidro do presídio. Não estou mais na faculdade, Cristina. Não atuo nessa área, você precisa de um bom advogado criminal. Mas vão me nomear um qualquer, e eu não quero. Dessa vez, eu matei, mesmo. Não diga isso. Mas é verdade. Vou conversar com uma pessoa em quem eu confio, foi meu professor, agora é defensor público, do Estado, ele é novo, mas é muito bom.

Sei que ele se esforçou, e muito. Mas eu sabia, e ela sabia, que seria em vão. Foi transferida para longe, para o sul do Estado. Não a vi mais. Noticiaram-me, quando voltei, que ela morreu na cadeia. Numa briga? Assassinada? Não, a Aids a levou.



Dorme, menina, dorme…


"nam et si ambulavero in medio umbræ mortis non timebo mala quoniam tu mecum es virga tua et baculus tuus ipsa me consolata sunt" (Liber Psalmorum, 22,4 - Vulgata)
(ainda que eu ande pelo meio do vale da sombra da morte não temerei mal algum pois a teu bastão e teu báculo são o meu amparo)

*
P.S.: Os nomes dos demais coadjuvantes foram propositalmente omitidos, mas o processo foi público, e está encerrado. A personagem principal, espero que finalmente tenha encontrado a PAZ e o ABRIGO que sempre procurou.
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segunda-feira, 19 de outubro de 2009

**************"Teclado me ajude"**************


"Teclado me ajude, em nome do Pai do Filho e
do Espirito Santo, e do Anjo do Teclado
( que nao é o Frank Aguiar)”

(By Lidiane Ferreira, em “Despedida”)


Gente. Foi um arraso! Ela chegou e iluminou tudo com seu sorriso! Conquistou a dona da casa (a Stella Maris, uma golden disposta a adotar quem lhe dá carinho, e ela teve de sobra!), conquistou minha filha, amigos, até a preocupada Camila (ai, e se ela for igual à Ivone da novela? Kkkk, ô Camila!) e a circunspecta Flávia, meus netos, minha nora, todo mundo! Abalou Gerais! Abalou o interiorrrrrrrrr…


Há cerca de três anos, eu a conheci. Através da net, e por intermédio de meu marido, que nos “apresentou”. Por acaso, ou nem tanto. Nem sei se acredito em acasos. Penso que para tudo na nossa vida, tem um propósito de Deus. Penso que ambas ficamos um pouco reticentes por algum tempo, principalmente porque não sou, ao contrário dela, uma pessoa que demonstre afetividade.


Internautas habituais, aos poucos, fomos falando, “conheci” seus filhos, a Keysy, o Isaac, que sei lá porque, gostaram de mim. Adotaram-me. Madrinha Margareth, de Portugal. Mantivemos contacto desde então, às vezes esporádicos, às vezes mais próximos, dependia dos humores e das conexões.


Dona de um senso de humor peculiar, ela comentava com graça as nossas desgraças, nessas inconfidências que às vezes cometemos ao falar com os amigos. (Ah, as desgraças da vida, que nem sempre compreendemos, e que não sabemos enfrentar, fui entendendo o quanto essa jovem mãe enfrentava as suas, com fé, e esperança. E me sentia pequena.)


(E, nesses revezes que a vida dá, eis-me de volta à boa terra das Gerais, pedaço desse abençoado Brasil.)

Ela tem uma mania: coloca fotos dos amigos no orkut. Provocando, deixei um recado sob uma foto minha ”Ah, agora falta uma foto de nós duas juntas, né? Já que atravessei o mar salgado, você bem que podia cumprir sua promessa e descer a Serra da Saudade até aqui! Estou esperando”.


Dia desses, lá vem a pergunta do Márcio, o irmão: Margot, você vai viajar na semana da criança? Não, por que? Ah, nada não. Pouco depois, a notícia: as passagens da Lidi estão compradas, ela chega aí dia 10. Ora, deixa de brincadeira! É sério!

Expectativa, umas duas semanas "em pulgas"!. No dia marcado, cedinho, lá estávamos a minha filha Lívia e eu na rodoviária à espera da menina! E a vi ainda dentro do ônibus, segurei para não chorar, que isso, é hora de alegria, não assusta a moça! Um abraço apertado, finalmente!







Dias abençoados. E, nesse pequeno espaço de uma semana, aprendi tanto, com sua alegria, seu amor pela vida, seu carinho com as pessoas, com os animais. Sua fé. Sua força. Nunca uma queixa, nunca um momento de mau humor (nem quando teve que ficar horas amargando umas músicas breganejas no boteco, ela que é da capital, coitada!). Às vezes, um olhar pensativo denunciava a saudade dos filhos que ficaram aos cuidados da cunhada, e da avó. E o mal-estar com o calor triangulino. Nada mais.

Ah, Deus, obrigada por me fazeres ver o quão pequena eu sou! E obrigada pelo quanto me fizestes grande, por ser merecedora dessa amizade!


Lidiane, receba todo o meu, o nosso carinho. E, em breve, voltamos a nos encontrar, a “Titia”, as “pimas” todas. Na próxima temporada. Aguarde!


Pssssiuuuuuu: tá bom, eu conto: ela não conquistou a Nina, mas vocês já viram bicho mais renitente que poodle?









quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Histórias Curtas I – O Elevador


Trabalho part-time. Fins de semana e feriados. Chatice, eu precisava da grana, pagar o curso de pós-graduação que me mantinha ocupada de segunda a sexta-feira. O trabalho compensava, pagavam bem para eu vender p’rós brazucas as “facilidades” e “vantagens” de uma conta num banco brasileiro lá nas estranjas.

E lá ia eu para a margem sul, tempo frio, chuva, distância. Fins de semanas alternados, tinha uma companheira de viagem. Minha enteada, adolescente, grudava comigo, madrugávamos (ai, MB, é longe, mas eu quero passar o dia contigo, levo meus livros, estudo lá). Saíamos, cheias de frio e sono, comboio, outro comboio. Um colega ia buscar-nos na última Estação de Comboio.

Um belo dia, o carro velho do meu colega pifou, e ficamos na mão, melhor, a pé. “Vócês” podem tomar o autocarro que passa na auto-estrada. Como? É só subirem o elevador, o auto-carro passa às 10 menos um quarto. Faltam uns 8 minutos. Dá tempo.

Elevador novinho em folha, uma parede panorâmica. Lá em cima (alto p’rá burro), apertamos o botão para a porta abrir. Nada. Apertamos de novo nada. Esperamos, toca a carregar. Nada. Carrega no botão da emergência. Nada. As pessoas lá em baixo, formigonas, nem olhavam para cima, não adiantava acenar! Começamos a entrar em pânico. Que fazer, ai MB, preciso fazer xixi, ai meu Deus, eu tenho que chegar logo, as chaves do balcão ficam comigo, como eu faço, ‘tô ferrada, chefe não atrasa! Abre, porta, abre-te sésamo, ave-maria, socorro…

Calma, calma, vamos pensar. Silêncio. De onde vem esse barulho? Escuta, C..., escuta. Vamos procurar. Vira daqui, vira dali. Tuque… E uma porta do outro lado do elevador a abrir e a fechar, umas pessoas lá de fora a nos olharem espantadas… Tuque, tuque…

Saímos esbaforidas, correndo, acenando, atravessamos a rua, e o motorista do auto-carro, parou e nos deixou entrar, rindo de nós duas...

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Festa do Rosário

É uma lembrança que me vem desde a mais tenra idade que a minha memória pode alcançar, meus 4, 5, 6 anos. Eu sabia que se aproximava a festa. Dias antes do foguetório da alvorada inicial, o nhé, nhé, nhééééééé interminável dos carros de boi vindo pela rua de terra batida, que passava ao lado de minha casa na esquina da praça, ouvia-se quando ainda vinham ao longe, lá de cima, daquele bairro pobrezinho onde eu não podia ir. Eu implorava à minha mãe para ir à rua, deixa mãe, posso mãe, deixa a menina ir, dizia meu pai, está bem, se a Judith estiver desocupada pode ficar com você lá na porta, mas não suja a roupa, olha a poeira, não saia do passeio, não solta a mão da Judith, olha o homem do saco!

E eu, aflita, em minha curiosidade, saía, maravilhada, a ver aqueles bois enormes, duas, três parelhas, às vezes apenas uma, os homens à frente, a incitar os bichos, com longas varas de ferrão, mulheres e crianças empoeiradas sentadas com as pernas penduradas, atrás dos carros, protegidos por entrelaçados de vime, cobertos de capim, cestos com galinhas a enfiarem bicos e olhos interrogativos para fora e a girar as cabeças curiosas. Vinham juntos, vinham separados, eram dias e dias, viravam à direita na esquina da casa senhorial da D. Vergida, sumiam lá para os fins da Rua Riachuelo (outro lugar proibido, só podia ir lá com a Judith, à benzedeira, mas nunca na época da festa).

Depois, eram as barracas de bugigangas. Parecia que brotavam do chão, da noite para o dia. Bonecas (horrorosas, lembro hoje, mas na época, como eu não podia tê-las, achava-as lindas!), iôiôs, violetas, carrinhos, balões, bilboquês, ah, que maravilha eu queria tanto um bambolê, e um arco, e um diadema e marias-chiquinhas para colocar nos cabelos… Não pode. Mas pode ir com a Judith e comprar algodão doce e pipocas para você e seu irmão. Judith, não vá com a menina ao lado de cima da praça, lá o ambiente não é bom, segura a mão dela, esses barraqueiros… Ver o parque de diversão? Não pode não (esqueceu que esfaquearam lá o filho do Batata do bar, Judith? E as mulheres da vida? Cochichava). E eu fitava com os olhos compridos o bambuzal da casa do Sr. Geraldo da D. Abadia, que escondia aquela coisa perigosa que devia ser o parque! (Será que tinha sangue, o que é mulher da vida, indagava a mim mesma, sem coragem de verbalizar).

O foguetório anuncia o dia do início das novenas a Nossa Senhora do Rosário. Todas as noites, da armação de capim no meio da praça, eu ouvia as músicas e a voz do locutor: olha o bingo, vamos entrar, agora é um prato de pastel e uma cerveja, olha o frango assado, dois patinhos na lagoa, 22, meia dúzia, 6, o patinho solitário, 2…

Festa de Nossa Senhora dos Pretos. Porque Nossa Senhora do Rosário dos Pretos? Deixa de ser boba, menina! Mas eu já sabia, era por causa da Congada! E por que a Congada só tem pretos? Que menina boba! Mas eu posso ir ver a Congada? Pode, vai ver pela janela, pela janela não quero, quero ir ver lá na praça. Na praça não pode, olha os barraqueiros, eles roubam crianças. Espera alguém desocupar. Com o coração na mão, eu saía, agarrada à mão da Judith, ou do meu pai. Que maravilha! As roupas de cetim, brancas e azuis, brancas e verdes, brancas e vermelhas, enfeitadas de fitas multicoloridas eram uma festa para os olhos. O canto gritado, os sons dos tambores, violas, sanfonas, violões, reco-recos, enfiavam-se pelos meus ouvidos, os passos pulados da dança, iam até a minha maravilhada alma infantil. Quanta dignidade no Capitão, na Rainha! Nunca pude ultrapassar o limiar da calçada da casa onde morava. Nem pude ir aos terços ou às novenas, nem ver de perto a dança e o canto junto ao cruzeiro de madeira, ao andor e ao altar da Santa depois da procissão final. Nossa Senhora, é verdade que a senhora escuta tudo? Por que eu não posso ir?

(E, nessa ânsia pela minha proteção, na falta de respostas às minhas indagações, nas proibições das pequenas coisas sem sentido, fui perdendo a minha inocência, na minha observação silenciosa do meu pequeno vasto mundo, mas também fez crescer em mim a busca permanente de Deus.)

Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora Mãe de todos os Homens, de todas as condições e profissões, acolhei a todos nós no seu abraço de Paz. Pretos, brancos, amarelos, vermelhos. Homens e mulheres. Santos e pecadores, devolvei a todos a inocência dos olhos e da alma das crianças. Amém.


(A Igreja Nossa Senhora do Rosário deste post)

Uma nota: Ainda hoje, emociono-me e sinto um nó na garganta, quando ouço o batuque das Congadas. No ano de 1988, fui agraciada com o convite do Pe. Geraldo para ser uma das festeiras organizadoras da Festa do Rosário! Deu uma trabalheira, mas foi um sucesso. E a emoção maior foi quando os congueiros tocaram e dançaram em nossa homenagem, depois de o fazerem para a Santa! Foi difícil esconder as lágrimas!

Obrigada, Nossa Senhora do Rosário Mãe de todos os Homens!



"Nossa Senhora do Rosário dai a todos os cristãos, a graça de compreender a grandiosidade da devoção do Santo Rosário, na qual, à recitação da Ave Maria se junta a profunda meditação dos Santos mistérios da vida, morte e ressurreição de Jesus, vosso Filho e nosso Redentor.
São Domingos, apóstolo do rosário, acompanhai-nos com a vossa bênção, na recitação do terço, para que por meio desta devoção à Maria, cheguemos mais depressa a Jesus, e como na batalha de Lepanto, Nossa Senhora do Rosário nos leve à vitória em todas as lutas da vida; por seu Filho, Jesus Cristo, na unidade do Pai e do Espírito Santo.
Assim Seja.
Amém."
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(Dia 7 de Outubro comemora-se o dia de Nossa Senhora do Rosário)
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Outra nota: quando eu tinha meus 8, 9 anos, descobri que uns moleques da vizinhança conseguiam abrir a porta lateral que dava à sacristia da Igreja. Escondida, às vezes eu ia lá, ficava o que me pareciam horas, (segurando o medo das andorinhas e dos morcegos que viviam lá, porque eu nunca sabia qual deles voava bem rente ao teto alto), e me maravilhava vendo a imagem de Nossa Senhora do Rosário com o Menino Jesus nos braços, e eu sentia ambos a me olharem em qualquer lugar que eu estivesse, o que me dava um misto de júbilo e culpa... (Nós nos mudamos da praça, e só voltei lá muitos anos depois).

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Muralha da China




Chegaram sem fazer barulho, calmos, quietos, discretos.

Uma manhã, olhei pela janela da frente, vi a porta do antigo estabelecimento, fechada há mais de dois anos, aberta. Através dos vidros ainda empoeirados, protegidos por grades, prateleiras cheias de roupas, e bugigangas. Uma cabeça discreta assomando pela pequena porta, denunciou: era uma lojinha de chineses.

Arranjei uma desculpa, fui à mercearia, onde sempre se sabia das novidades, nem precisava perguntar. “Os chinas já estão até aqui na rua, não dou um ano p’ra fecharem as portas”, vaticinou o merceeiro. (Que agourento, meu Deus!)

Saí da mercearia, entrei na porta ao lado. Um homem sem idade, com os cabelos escuros ligeiramente salpicados de branco, acolheu-me com sorriso formal, e um cumprimento em péssimo português. Assomou ao fundo uma cabeça de mulher, a olhar, tímida, calada. Eu disse bom dia a cada um, separadamente. A mulher abriu um grande sorriso, que, mais que me comover, fez-me sentir uma doída dor de saudade. Duas estrangeiras numa terra estranha.

Estabeleceu-se instantaneamente entre nós duas uma forte vontade de comunicação, mas a barreira da língua parecia intransponível. Ela não falava nem entendia português, nem inglês, e eu, mandarim, só ouvi nos filmes do Jack Chan…

Todos os dias, eu lhe acenava da janela, e ela acenava de volta, com aquela ligeira inclinação de cabeça, tão delicada, que só os orientais conseguem fazer.

Com a desculpa de comprar meu incenso de canela, ia à loja. Tentava estabelecer um diálogo. Eu apontava uma coisa, e dizia o nome em português, o senhor sorria, e a mulher repetia, apontava a mesma coisa, e dizia a palavra chinesa correspondente. Tentávamos repetir o que a outra dizia, ríamos das nossas recíprocas algaravias, eu pagava o incenso, ia embora.

Com o passar do tempo, tive que inventar outras pequenas necessidades, um dia era linha, outro, agulhas, prendedores de roupa, porque o incenso passou a me ser oferecido. Sempre com um sorriso e não categórico acenado pelo marido, quando eu colocava a moeda de um euro sobre o balcão.

Aos poucos, ela foi perdendo o que eu nunca descobri se era timidez, ou aquela desconfiança atávica, tão tipicamente oriental. Um dia, ao sair com minha cachorra à rua, lá estava a senhora à porta da minha casa, sorridente, para me dar bom dia. Em português capenga, mas na minha língua!

E por gestos e palavras soltas, fomos nos conhecendo, ela duas filhas, uma na França, outra em Portugal, uma neta de onze anos.

Expressei  o desejo de lhe ensinar português. Estás louca, como vais colocar aqui dentro de casa uma pessoa estranha?. Para não me chatear, por comodismo, por preguiça, coloquei o projeto numa prateleira da memória. Mais tarde, eu não vou desistir.

Um dia, não a vi chegar. Mais uns dias ausente, perguntei ao marido. Está na casa da filha, deu-me a entender. Mas aparentava uma certa tristeza.

Uma batida tímida no meu ombro, dentro do comboio quando voltava de uma audiência em V.F.X.. Assustei-me, olhei, e lá estava minha amiga, sorrindo, abatida. Em suas mãos, junto com a mala, uma sacola de farmácia. Apontei a poltrona a meu lado, ela sentou-se. Voltamos juntas, apontando aqui um barco a vogar pelo Tejo, ali um arbusto de giesta, acolá a cana teimosa debruçada sobre o rio. Pedaços de paisagem que eu tentava traduzir em palavras incompreensíveis ao seu ouvido oriental.

Alguns dias depois, viajei para o Brasil. Voltei após quatro meses. Fui ver minha amiga. Voltou para China, disse-me o marido. Eu repeti, incrédula: ela voltou para China, voltou para casa? Ele abanou a cabeça, suspirou, sorriu-me, tentando esconder a tristeza. Ofereceu-me uma caixinha de incenso. No início da última primavera, da mesma forma que chegou, ele também partiu.